segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Velha coreografia

Meus passos no escuro, você vai ficar bem. Siga o som que faço ao dançar pela sala e não acenda as luzes, elas mancham minha visão - ou me fazem enxergar mais do que eu gostaria. Está aí um assunto que não devemos tocar esta noite. Apenas me dê suas mãos e deixe que eu te guie a um lugar seguro e não ache que estar em casa é seguro. Quero te proteger de pensamentos turvos, no escuro. Entenda, tem que ser escuro.
A rua lá fora nos diz tantas coisas, coisas demais. Precisamos do silêncio dos sorrisos que guardamos um tempo atrás dentro do seu quarto, do outro lado da cidade. Precisamos reviver. Eu parei de afogar as coisas, parei de me afogar, vou te ensinar.
Quando o sol nascer não teremos mais tempo, eu te disse. Só deixe que nossas mãos se atem, que nossos olhos se lacem, que nossos corpos se encontrem naquela velha coreografia. Límpida, singela, tranquila e verdadeira. O que faltou no silêncio foi veracidade e por isso faremos barulho. Me abrace, me aperte, mas não diga nada. Eu estou te levando a um lugar seguro, já te disse. E a gente pode ficar lá o quanto quisermos.

Dias

O que eu tenho feito da vida?

- Mãe, as vezes eu apareço na faculdade, faço uma figuração e volto pra casa. A academia eu quase não falto. Os cursos eu me arrasto e os livros eu parei de ler um pouco - sempre tem uma história muito boa que te faz ficar deprimida por você não ser a protagonista. Meus sorrisos eu entreguei pra meia dúzia de amigos - diga-se de passagem, os melhores em todos momentos, porque um cara tem que ser muito bom pra aguentar as famosas patricices e cia. - e prum menino especial que eu resolvi querer deixar morar no meu peito eternamente. Não estou infeliz, só ando meio distraída, ou desestimulada. Creio ser uma crise pós moderna dos meus 20 anos. Ou um efeito daquela bipolaridade que eu herdei da nossa genética. Não sei. Uma coisa ou outra, ou as duas, talvez.
No meio disso tudo eu ainda tenho vivido momentos que me proporcionam sentimentos que até então eu não poderia sonhar em conhecer. E nessas horas eu me lembro nitidamente de o porque deu ainda estar viva e das razões deu me forçar sair da cama em algumas manhãs. Minha vida é boa e eu ainda não perdi o jeito de arrumar as coisas, de me arrumar e de conseguir encantar algumas pessoas.
Não tenho medo da inveja, da falsidade, da infelicidade. Eu descobri que também carrego isso em mim. Tenho medo da maldade que as pessoas podem carregar em seus corações - e nessas horas eu finjo ser uma fortaleza que não sou, ou finjo poder ser mal, também. Mas eu tenho tanta certeza que as pessoas que me conhecem mesmo sabem que eu sou o tipo de pessoa que pega um ônibus de madrugada só pra oferecer um abraço e ajudar no florescer de um sorriso. Então, mãe, parabéns pelo seu trabalho aqui.
Eu tenho tido mais preguiça do que o normal e minha fome tem sido tão oscilante quanto meu humor. Mas tem uma calma escondida em meus braços e ela só precisa esperar um pouco. Deitada, dormindo, fugindo um pouco dessas imposições todas que o mundo nos faz, tomando um chá e dando umas risadas de uma comédia qualquer.